EXPECTANTES
“Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”
É coisa antiga, mesmo, pensar que a escultura, por estática que seja, carrega o eterno paradoxo da iminência do movimento. O voo da vitória, o passo do menino, o arremesso do disco do atleta, o farfalhar do tecido das vestes da deusa – os gregos já sabiam que o duro mármore poderia muito bem mover-se ou, pelo menos, habitar o fugaz instante entre o repouso e a ação. Esse é um dos interesses recorrentes dos artistas ocidentais e por ele seria possível organizar uma peculiar história da escultura, a qual poderia ter como caso limite o vibrante Êxtase de Santa Teresa (1647–52), de Gian Lorenzo Bernini.
Pois é para isso – para a iminência da ação – que o artista paulista Flávio Cerqueira hora se volta com suas figuras prestes a voar ou, pelo menos, cair. E isto sem pretender batalhar pelo território do sobre-naturalismo que por vezes acompanha tal interesse. A escultura de Flávio Cerqueira está longe do compromisso com a verossimilhança da matéria escultórica, pois é sempre assumidamente esquematizada, quase afim ao traço dos cartuns em seu desprendimento. Ao invés de nos agarrar pelo tratamento fidedigno da pátina do bronze ou pela pujança do trato anatômico de suas figuras, Cerqueira apresenta figuras humanas encolhidas (ou bonecos agigantados) como personagens cujas poses narram um fragmento de história, uma anedota de comportamentos.
Por isso, quando o artista fala de movimento, não segue a legado de Bernini, mas retorna ao ponto em que as ações são “contadas” pelas esculturas e seus signos. São os galhos que fazem as vezes de asas, os balões que sustentam um peso improvável… Se escolhemos acreditar nelas é porque gostamos das histórias que nos sugerem. Do cômico ao lúgubre das cenas, passando pela fragilidade quase tocante da figura prestes a soltar-se do galho de uma árvore, essas narrativas se oferecem para serem reconhecidas e apropriadas pela imaginação de seu público.
Despretensiosos, embora realizados a partir da tradicional disciplina escultórica, esses trabalhos fazem ainda pensar sobre quem ou o que pode ainda ser digno de sobreviver nos monumentos que estão por ser feitos no nosso século. Para Cerqueira, por enquanto, a resposta provavelmente passaria pelo nosso senso de humor e capacidade de fabulação em um mundo que, quanto mais se obceca pelo sucesso, mais se vê desatento ao sublime que reside no interior dos mais patéticos fracassos.
Paulo Miyada
Expectantes
“A step forward and you are no longer at the same place”
Since ancient times, artists and art viewers have often been aware that sculpture, for as static as it may be, bears the eternal paradox of the imminence of movement. The throes of victory, the child’s step, the hurling of the athlete’s discus, the rustling of the garments of the goddess – the ancient Greeks already knew that the hard marble could very well move, or, at least, inhabit the fleeting instant between rest and action. This has been one of the recurring interests of Western artists and through this lens it would be possible to organize a particular history of sculpture, which would include as a benchmark the vibrant Ecstasy of Saint Teresa (1647–52), by Gian Lorenzo Bernini.
It is with this same purpose – approaching the imminence of action – that Flávio Cerqueira is now focusing his work on figures about to take flight, or, at least, to fall. And he does this without pretending to battle for the territory of the supernatural that often accompanies this interest. Flávio Cerqueira’s sculpture is not concerned with a commitment to the verisimilitude of the sculptural material, since it is always assumed in schematic form, almost cartoonlike in its detachment. Instead of grabbing our interest by the authentic treatment of the bronze patina or by the robustness of the anatomic treatment of his figures, Cerqueira presents human figures on a smaller scale (or dolls on a larger scale) as characters whose poses narrate a fragment of history, an anecdote of behaviors.
To this end, when the artist talks of movement, he does not follow in the footsteps of Bernini, but returns to the point at which the actions are “told” by the sculptures and their signs. They are the tree branches that sometimes take the form of wings, the balloons that hold up an improbable weight… If we choose to believe in them, it is because we like the stories they suggest to us. The tone of the scenes ranges from comic to funereal, while also including the nearly touching fragility of the figure ready to jump from a tree branch; they are narratives offered for the spectators to recognize and appropriate in their imagination.
Unpretentious, though produced on the basis of the traditional discipline of sculpture, these works also make us think about who or what is still worthy to survive in the monuments that are being made in our century. For Cerqueira, for now, the answer will probably involve our sense of humor and storytelling ability in a world which, the more it is obsessed for success, the more it is oblivious to the sublime that resides within the most pathetic failures.
Paulo Miyada